- Andre Birnath
- BBC News Brasil em São Paulo
Crédito, Kareena Carmerian, Mestranda UFRJ / IDor
A foto acima mostra a estrutura organoide do cérebro feita no Rio de Janeiro. Os pontos vermelhos representam neurônios e os pontos azuis indicam o núcleo da célula. Manchas verdes são terminações nervosas, estruturas que se originam nas células do sistema nervoso
Ima Imagine pegar diferentes tipos de células humanas e, após uma série de procedimentos, transformá-las em um minúsculo órgão que realmente funciona e pode ser visto a olho nu.
Saiba que hoje já é possível: pequenos órgãos (ou organóides, nome preferido pelos cientistas) são uma ferramenta poderosa que pode nos ajudar a entender como o coronavírus, o coronavírus que causou a atual epidemia, está danificando várias partes do nosso corpo.
Graças a esta tecnologia, os especialistas analisaram muitos tratamentos e rapidamente perceberam que o Kovid-19 não é apenas uma doença que afeta o sistema respiratório, mas também tem consequências no coração, intestinos, rins e cérebro.
Mas, afinal, como um pequeno órgão é criado? Que benefícios isso traz em comparação com outros métodos mais antigos, como culturas de células e porquinhos da índia?
Volte ao passado para prever o futuro
A matéria-prima básica para a formação de organoides são células normais da pele ou do sistema urinário. Após a seleção, os cientistas realizam um procedimento para converter essas unidades em células-tronco.
“Eles parecem ter voltado no tempo. Por meio da mutação genética, voltaram a olhar as células-tronco”, reforça a neurocientista Marlia Jaluver Guimares, do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino do Rio de Janeiro (Idor).
A descrição desse processo biológico e a tecnologia que o tornou possível renderam o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia 2012 para o britânico John Gurdan e o japonês Shinya Yamanaka.
Mas isso é apenas parte da história. Após as células “voltarem no tempo”, uma nova etapa deve ser realizada. “De acordo com os fatores que usamos em laboratório, isolamos e regeneramos essas células-tronco”, acrescenta Guimares, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Ou seja, é possível pegar uma célula da pele e, seguindo alguns passos, fazer metamorfose para que ela se transforme em neurônio ou hemácia.
O grande problema é que os organóides não são apenas um grupo de células que podem ser analisados com a ajuda de um microscópio. Estamos falando aqui de estruturas mais complexas que mantêm mais de um tipo de célula unida e geralmente são visíveis a olho nu. É um órgão muito pequeno.
“No caso dos cerebelos, eles são esféricos, mas não têm a mesma estrutura de um órgão real. Suas propriedades celulares e bioquímicas permitem saber como é essa estrutura”, disse o biólogo Daniel Martins de Souza, da Universidade Estadual de Campinas (Unicom).
Crédito, Getty Images
A ilustração mostra o tamanho do cerebelo em uma placa de Petri. Você pode vê-los a olho nu.
Fontes
Do ponto de vista histórico, a possibilidade de construção de pequenos órgãos é muito recente. Os cientistas só conseguiram sujar as mãos nos últimos dez anos.
Apesar de jovens, os organoides já deram uma grande contribuição para a ciência. Um grande exemplo disso aconteceu durante a epidemia de Zika, que aterrorizou o Brasil (e o mundo) em 2015 e 2016.
É transmitido por picadas de mosquito Ides Egito, O vírus causa sintomas comuns, como febre baixa, dor e vermelhidão nos olhos.
Mas um surto de casos de microcefalia na parte nordeste do país (quando o bebê nasceu pequeno, com crânio e cérebro normais) levantou um sinal de alerta: a infecção por Zika durante a gravidez está relacionada a ela? Problema sério?
A suspeita foi confirmada para pesquisas com organóides. No laboratório, uma equipe liderada pelo neurocientista Stevens Rehen da UFRJ e Idor usou cérebros pequenos que o Zika realmente afeta as células do sistema nervoso e inibe seu crescimento, causando síndrome congênita associada a infecção viral, microcefalia e muitos outros problemas de saúde em bebês.
“Esta é a primeira vez que o modelo organoide é usado para entender doenças virais”, lembra Guimarães.
Benefícios
Nas últimas décadas, as culturas de células e porquinhos-da-índia se tornaram uma importante ferramenta para a realização de estudos básicos com candidatos a medicamentos ou vacinas. A proposta é entender como essas novas moléculas funcionam em um nível menor e mais controlado antes de prosseguir para os ensaios clínicos.
Esses métodos também nos permitem entender como uma determinada doença afeta um organismo.
Mas as alternativas antigas têm muitas limitações, a começar pela própria simplicidade, que não reproduz as mesmas características da vida real. “Os organoides, por outro lado, são compostos de células diferentes e têm uma estrutura tridimensional, de modo que têm funções semelhantes ao que realmente acontece”, disse Kazuo Takayama, farmacêutico e professor da Universidade de Kyoto, no Japão.
No caso das cobaias, também há um limite para o tamanho do animal a ser utilizado nos experimentos. “É possível cultivar pequenos órgãos quase infinitamente em laboratório, para que possam ser usados para testar novos medicamentos em grande escala”, acrescenta Takayama.
Conhecimento otimizado
Durante uma epidemia que vivemos, esta abordagem moderna nos permitiu acelerar certos processos e obter as informações de que precisamos rapidamente.
Sem os organóides, demoraria muito para que o conhecimento sobre o Kovid-19 se tornasse disponível. Isso dificulta o progresso da ciência e atrasa ainda mais o advento de métodos seguros e eficazes de diagnóstico, prevenção e tratamento.
Vejamos exemplos práticos de como isso aconteceu nos últimos meses. Na esteira da Emergência de Saúde Global, muitos especialistas estão avaliando se já existem medicamentos no mercado que podem combater o vírus ou reduzir seus danos.
Esses tratamentos foram testados na maioria dos organoides. Ignorou aqueles que não funcionaram imediatamente. As drogas que mostraram algum efeito inicial estão evoluindo rapidamente para os estágios posteriores da pesquisa. Pense em quanto tempo você economizou com essa triagem inicial?
Mas as aplicações vão além da área ce. O trabalho no Japão e nos Estados Unidos se concentrou nos minipulmões, que atacam e destroem certas células do sistema respiratório SARS-COV-2. Provoca uma resposta inflamatória muito forte e prejudicial à saúde da pessoa afetada pela infecção.
“Em geral, os organóides nos permitiram entender qual coronavírus pode ser usado para atacar e replicar células humanas. Nossa equipe mostrou que isso ocorre no intestino, o que ajuda a explicar os sintomas gastrointestinais encontrados em muitos pacientes”, disseram os pesquisadores.
Outro experimento conduzido na Universidade de British Columbia, no Canadá, e no Instituto de Biotecnologia Molecular em Viena, Áustria, construiu vasos sanguíneos microscópicos. A partir daí, pode-se observar que o vírus Kovid-19 ataca o endotélio (camada interna das veias e artérias).
Crédito, Getty Images
A pesquisa com pequenos órgãos nos permitiu entender quais células o coronavírus ataca. Hoje se sabe que o patógeno também afeta os vasos sanguíneos.
Existem duas implicações principais para isso. O primeiro é o aparecimento de um coágulo sanguíneo e ataque cardíaco, derrame ou trombose. Em segundo lugar, a partir da circulação, suspeita-se que o patógeno “vaza” para várias partes do corpo e afeta outros órgãos vitais.
As iniciativas não param por aí: na mesma linha, o trabalho com os organóides continua avaliando as pegadas do coronavírus no fígado, rins, coração e cérebro.
Exposição Nacional
No Brasil, duas equipes de pesquisa se concentraram nos efeitos do Kovid-19 no cérebro humano. Na Idor, os cientistas usaram neuroesferas (um organoide mais flexível) para provar que o SARS-COV-2 poderia prejudicar o sistema nervoso, mas foram incapazes de se replicar e produzir novas cópias virais ali.
Crédito, Carolina Pedrosa – Idor
Foto de neuroesferas infectadas com SARS-CV-2. Os pontos azuis são o núcleo das células. Coronavírus verde.
Por outro lado, um trabalho feito na Unicom estimou a presença do coronavírus nos astrócitos, um tipo de célula do sistema nervoso. “A invasão viral parece ter modificado a forma como essas unidades geram energia, o que afeta o funcionamento dos neurônios”, resumiu Souza.
Esta ação de covid-19 na substância cinzenta pode ser uma forma de descrever os sintomas neurológicos da doença, afetando 30% dos pacientes. As manifestações mais comuns nessa área do corpo são perda ou enfraquecimento dos sentidos, como olfato e paladar e formas de ansiedade e depressão.
Vale ressaltar, entretanto, que esta é uma área em constante evolução. As pesquisas acontecem agora e é provável que as notícias apareçam em um futuro próximo.
Limitações
Apesar dos muitos benefícios, os organóides não são perfeitos e não permitirão que você encontre todas as respostas. “Esta é uma área onde está dando seus primeiros passos e enfrentando desafios significativos. A maioria dessas estruturas são feitas de células imaturas, o que significa que não são 100% comparáveis aos órgãos adultos”, disse Naria Montserrat Pulido, professora do Instituto de Bioengenharia da Catalunha, Espanha.
O bioquímico Schubing Chen, da Cornell University, nos Estados Unidos, destaca a grande diversidade entre os modelos de pequenos órgãos usados por equipes de pesquisa. “Precisamos autenticar isso para entender as aplicações de nossos esforços no mundo real”, diz ele.
Outra barreira a ser considerada neste contexto é o investimento financeiro. “Os materiais que usamos são caros e nos esforçamos para criar sistemas econômicos”, acrescenta Chen.
Souza destaca outro obstáculo: os pequenos órgãos são (ainda) estruturas isoladas que não interagem com outros sistemas que compõem o corpo humano. Portanto, não é possível entender como os efeitos do coronavírus nos rins, por exemplo, afetam o coração ou os intestinos. “No futuro poderemos ter diferentes organóides conectados para interagirem no laboratório?”, Vê.
Se os organoides já forneceram muito conhecimento em seus estágios iniciais, imagine o que eles podem fazer quando são perfeitos.
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